Piauí terá que devolver após o Carnaval R$ 800 mil desviados do SUS
O Estado do Piauí terá que restituir à União próximo dia 15 de
fevereiro, logo após o carnaval, a quantia de R$ 801.027,29. A devolução
ocorre após o Tribunal de Contas da União (TCU) constatar a “prática de
atos ilícitos” praticados pelos ex-gestores da Unidade Mista de Saúde
Joana de Moraes Sousa, com sede em Bom Princípio, e do Hospital Estadual
Dr. João Pacheco Cavalcante, localizado em Corrente. Ambos conveniados
ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo o TCU, os ex-gestores das duas unidades utilizaram-se de
práticas condenáveis para se apropriar de recursos do SUS. A Unidade
Mista de Saúde Joana de Moraes Sousa cobrava por serviços mais onerosos
do que os realizados e por outros nem sequer prestados. Já o Hospital
Estadual Dr. João Pacheco Cavalcante praticava a cobrança irregular por
serviços.
Diante da má gestão dos recursos do SUS repassados às duas unidades, o TCU determinou ao Piauí a restituição de, respectivamente, R$ 349,322,06 e R$ 451.705,23 à União, até 15 de fevereiro próximo, sob pena de registro de inadimplência nos cadastros de controle, o SIAFI e o CAUC.
Ministro Joaquim Barbosa: “o Estado falhou em fiscalizar”
O Palácio de Karnak chegou a determinar que a Procuradoria Geral do Estado recorresse ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a situação, e responsabilizar unicamente os gestores dos hospitais. Porém, o presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, indeferiu o pedido de antecipação de tutela formulado em duas Ações Cíveis Originárias. Em ambas o Governo pedia para que a unidade federativa fosse desobrigada da restituição do motante.
Embora ressalvando não ser caso de excepcionalidade inadiável que justificaria a atuação da Presidência do STF e que os pedidos serão examinados pelos relatores de cada uma das ações, por ocasião do início do ano judiciário, o ministro Joaquim Barbosa observou não lhe parecer plausível a aplicação do princípio da intranscendência às situações apresentadas nos autos.
Governo do Piauí diz que o Estado é vítima dos maus gestores
O Governo do Piauí alega através do princípio da intranscedência que só os gestores faltosos poderiam ser punidos pelos atos ilícitos cometidos, que a administração estadual é tão vítima quanto a União e que a responsabilização solidária do Estado do Piauí levará à impunidade dos ex-gestores, “na medida em que o agente público contará com um avalista necessário pelos desmandos e ilícitos cometidos”.
Também entre as alegações encontra-se a limitação da competência do TCU ao exame do uso do dinheiro público pelos gestores, sem alcançar as pessoas jurídicas federadas, e ainda que a pretensão da União ao ressarcimento já prescreveu, já que foram decorridos mais de cinco anos da data da lesão.
Joaquim Barbosa lembrou, no entanto, que de acordo com a Constituição Federal, “o Estado age segundo a regra da estrita legalidade e tem como um dos seus objetivos principais a boa aplicação dos recursos públicos”. Assim, segundo ele, “no exercício de suas funções, o agente público é a manifestação tangível do próprio Estado e, portanto, eventuais danos ocasionados são imputáveis ao próprio ente federado”.
Decidiu ainda que é dever do Estado fiscalizar os recursos públicos. “O Estado tem o dever de orientar e acompanhar a atuação de seus agentes, em benefício da própria população”, escreveu. Portanto, se o princípio da intranscendência fosse levado às últimas consequências, “fundamentaria o retorno à absoluta imunidade do Estado pela prática de atos ilícitos, dado que o ato ilícito sempre é cometido por uma pessoa natural atuante em nome do ente federado”.
“O Estado falhou em não ter tomado qualquer atitude”
O presidente do STF também destacou que “o princípio da intranscendência não é aplicável às hipóteses em que o ente federado não comprova ter adotado as providências legais cabíveis para sanar a lesão ao erário”. Essa comprovação, ainda de acordo com o ministro, “é imprescindível para que as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) tenham efetividade”.
“O autor não demonstrou ter tomado qualquer atitude voltada ao controle dos atos dos agentes públicos, nem à reparação de dano”. Assim, no entender do ministro, se acolhida a proposta do governo piauiense, “o princípio da intranscendência se tornaria uma carta de imunidade prévia à responsabilização por eventuais lapsos de gestão”.
Portanto, “seguindo o mesmo raciocínio do autor, previamente ciente de que nada sofrerá em decorrência dos atos praticados pelos gestores, o ente federado perderá qualquer estímulo para fiscalizá-los”, pontuou o ministro.